Hoje, 14 de janeiro, faz 10 anos que fiquei viúva
10 anos que fiquei viúva: uma década de ausência, saudade e de um sentimento de injustiça preso no peito.
[su_animate type=”fadeInDown” inline=”yes”](Leia o texto: “Como eu fiquei viúva”)[/su_animate]
Muitas pessoas acham que quando uma mulher viúva se casa novamente, simplesmente passa uma borracha em tudo o que sentia pelo marido falecido.
Talvez isso possa ser verdade para algumas viúvas, mas para mim e para muitas outras com quem partilhei nestes dez anos, não é nenhum um pouco assim.
A verdade é que nós acabamos encontrando um jeito particular de lidar com esses conflitos internos para que possamos conseguir continuar, apesar da dor, da saudade, da ausência.
Quero aproveitar um pouco para contar como foram estes 10 anos para mim.
O primeiros momentos
Bom, foram os momentos mais dolorosos e difíceis de toda a minha vida até hoje.
Não apenas pela forma trágica e traumática como aconteceu (vide “Como fiquei viúva”), mas também pela dor intensa de ser dar conta da morte real da pessoa que você ama, confia e compartilha.
Ver alguém morrer é inexplicável. Ver a pessoa que você ama, então, é algo pra nunca mais esquecer.
É uma memória que eu carregarei até o fim dos meus dias e que, vira e mexe, eu ainda tento forçar a minha mente pra ver se não foi tudo um pesadelo.
Mas logo em seguida veio outra coisa bem ruim de lidar: perceber que não teria mais a pessoa com quem eu partilhava tudo para partilhar justamente a pior coisa da minha vida.
Tudo o que eu queria ao chegar em casa, era deitar nos braços dele e contar como foi o meu dia, mas eu não tinha mais ele lá e nunca mais teria.
Eu adormeci no pé da cama, abraçada a um travesseiro depois de tanto chorar.
A hora de contar para a filha de 5 anos que o pai dela morreu
Bom, Luciano morreu às 17h00 em ponto e a Gi saía da escola às 18h00, enquanto eu estava entre hospital pra liberação do corpo e delegacia para depor, então minha irmã ficou incumbido de ficar com ela.
E como eu só saí da delegacia lá pelas 23h00, ela acabou dormindo na minha irmã naquela noite.
Eu pude ficar sozinha, chorar, gritar com o travesseiro na cara, sofrer, etc, sem me preocupar com ela ou com o que ela pudesse ver ou ouvir.
Só que no dia seguinte ela veio pra casa de manhã e, apesar de todos os conselhos de esconder dela o que houve e mentir que o pai dela fora viajar, eu escolhi contar a verdade.
E foi muito difícil. Mas eu quis fazer isto sozinha.
Entramos no meu quarto e eu ajoelhei até ela, coloquei as mãos nos ombrinhos dela, engoli a saliva como quem engolia um caroço de manga, e falei:
– Filha, o seu pai morreu hoje. Ele foi proteger a mamãe de um assaltante e o bandido o matou.
Ela me abraçou com lágrimas nos olhos, mas ainda sem entender a dimensão do que estava ouvindo.
Era perceptível que a consternação dela era por conta do meu estado e não pela notícia, que ela ainda nem sequer entendia direito.
Não fez qualquer pergunta na hora e dedicou toda a sua atenção a mim nos dias seguintes.
Quando eu finalmente estava melhor e pudemos sair juntas (e sozinhas), ao chegar, ela me fez a primeira pergunta:
– Mãe, como este homem matou o meu pai?
– Com um tiro no coração
– Como foi o tiro, mamãe? Saiu sangue?
Tentei ser o mais honesta possível, mas sem tornar aquilo uma cena de horror para ela.
As coisas foram se amenizando…
Bom, eu não comi por 8 dias, só tomava sorvete de vez em quando, então virei um zumbi de tão magra e deprimida.
Depois da Gi me pedir muito, eu comi algo e fui melhorando.
Foram tempos bem difíceis, mas com muito apoio da minha família e amigos, eu consegui ir ‘passando de fase’.
A chuva de lavar a alma
Certo dia, meu pai levou as crianças para a praia e a minha irmã foi junto. Foi a primeira vez que fiquei sozinha desde a morte do Luciano.
Neste dia, tomei um banho, escolhi uma roupa que me caía bem e saí pelo bairro que morava – e que foi onde tudo aconteceu.
No começo foi bem estranho, as pessoas me parando na rua com aquele ar de piedade, até que uma criança, sobrinha de uma amiga, vem correndo pro meu lado:
– Tia Tháta, me leva no salão de beleza pra encontrar minha tia Pri? Minha mãe não deixa eu ir sozinha.
Foi a primeira vez que alguém falou comigo sem tocar no assunto ou sem me olhar com qualquer traço de piedade.
Eu sorri e disse pra ela avisar a mãe dele que eu ia levá-la.
E fomos. No caminho, ela pediu pra comprar sorvete na padaria:
– Tia, eu tenho dinheiro. Eu pago um sorvete.
Fomos, então, comprar o sorvete e ao sairmos da padaria, de repente, começou uma chuva MUITO forte.
Ameacei voltar pra padaria, mas ela:
– Tia, vamos na chuva? Vamos, vai? Minha mãe nunca deixa, mas a minha tia fala que a chuva lava a alma
Parecia um recado e eu aceitei. Pois foi uma chuva bem forte, morna e de lavar a alma.
Eu até hoje não sei a explicação, mas aquela chuva, as risadas da Giovanna (sim, o nome dela também é Giovanna) e as corridinhas que dávamos para atravessar as ruas, foram um divisor de águas pra mim.
Quando chegamos ao salão, entrei e a deixei com a tia, minha grande amiga, mas ela ia demorar e depois elas tinham alguma festa que eu não recordo bem, então voltei embora sozinha e rindo dos momentos que antecederam aquele.
Namorar outra pessoa depois da viuvez
A sensação foi de culpa.
Eu senti culpa por ter sido beijada, por retribuir, por gostar e por querer mais, por me sentir apaixonada por outra pessoa. Foi muito difícil.
Depois disso, namorei por um ano e foi muito bom pra nós, Gigi e eu.
Mesmo namorando, jamais deixei de lado a memória e a saudade do Luciano. Ele jamais foi deixado de lado e sempre que a Gigi pedia, falávamos dele da forma mais alegre possível.
Apesar dos conflitos sentimentais, pudemos sair da órbita e da cidade para ter longos períodos em uma cidade litorânea muito calma e onde a Gigi pode ter um pouco de sua infância resgatada do mar de tristeza que as pessoas nos envolviam, mesmo sem perceberem.
A vida de solteira novamente, mas agora diferente da fase do luto
Bom, depois de terminar o namoro, eu tentei aquela vida de solteira básica.
Óbvio que fracassei miseravelmente e a maioria dos meus dias e noites eram com a Gi, sua BFF Nathy e a irmãzinha da Nathy, a Nay.
A gente passava quase todos os fins de semana juntos e, algumas vezes, a Gi eventualmente ia dormir na casa delas e eu saía com uma uma amiga, a Carol, que conheci no Twitter.
Eu vivia sem grana, então vira e mexe, a Carol pagava minhas entradas e, pra sorte dela, eu não bebia, então era só a entrada mesmo.
Foram bons tempos e inclusive, foi numa dessas saídas que eu conheci o meu atual marido há 6 anos, o Dressler.
Um novo relacionamento, desta vez bem diferente
Conheci o Dressler em um barzinho durante o aniversário de um amigo.
Ficamos no primeiro dia e depois disso, nunca mais nos desligamos.
Desta vez, foi tudo diferente e quando o beijei a primeira vez, eu estava lá. Com ele. Sem culpa nenhuma.
Eu ainda vivia muitos momentos de saudade, de dor, de revolta pela morte do Luciano, mas agora já sabia lidar melhor com tudo isso.
E quando eu conheci o Dressler, uma das nossas primeiras conversas foi sobre isto. E foi incrível, porque eu me senti super a vontade pra falar como eu me sentia.
E ele simplesmente entendeu tudo.
Eu não precisei disfarçar, refazer as falas, nada. Ele simplesmente entendia que eu ia amar o Luciano para sempre, mas isso não me impediria de me apaixonar e amar outra pessoa.
E não impediu.
Passaram-se os anos e todos os aniversários do Luciano, aniversários de morte dele e mesmo datas aleatórias que batiam uma bad, o Dressler esteve do meu lado, sendo o meu colo e meu melhor amigo.
Eu pude viver o meu amor simbiótico entre eles de uma forma plena e sem ter que comparar nem escolher um ou outro.
E aqui estamos, juntos há 6 anos.
E este ano, a data de 14 de janeiro parece ter um ar estranho, diferente dos demais anos anteriores.
Confesso que estou tensa, mas ao menos sei que tenho um colo para chorar e dividir o que sinto.
♥
Que a memória do Luciano jamais se apague e que honremos sempre o seu legado.
Ps: Eu te amo.
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